20 de Mai, 2021

Portaria de Potabilidade da Água: confira as principais mudanças

Especialistas da Assemae orientam os gestores municipais sobre as novas exigências para qualidade da água.

A nova portaria de potabilidade para consumo humano da água foi publicada pelo Diário Oficial da União no último dia 04 de maio. O documento (PORTARIA GM/MS Nº 888) traz uma série de mudanças a serem adotadas pelos prestadores dos serviços de saneamento básico, buscando o controle de qualidade da água e seu padrão de potabilidade. A Assemae, que participou ativamente do processo de revisão da norma, recomenda a atenção dos municípios associados sobre a implantação das novas exigências.

Para orientar os gestores e técnicos municipais nesse processo, a Assemae conversou com os dois especialistas que representaram a entidade durante os debates técnicos da nova Portaria. Fernanda Heleno, do SAAE de Senador Firmino (MG), e Ivan Canalle, do Semae de Piracicaba (SP), destacam abaixo os impactos das mudanças para os serviços municipais de saneamento. Confira a entrevista:

1 - Quais as principais mudanças da nova Portaria? 

Ivan Canalle:

Dentre as principais mudanças da nova Portaria de Potabilidade da água podemos destacar:

a) Uma seção específica (Seção VI, Art. 16) relacionada à distribuição e transporte de água potável por meio de carro-pipa, destacando a necessidade de autorização e cadastramento do carro-pipa junto à autoridade de saúde pública;

b) Necessidade de se divulgar os Limites de Detecção (LD) e Limites de Quantificação (LQ) das metodologias analíticas para os parâmetros analisados (Art. 22);

c) A inclusão de monitoramento de esporos de bactérias aeróbias (EBA) como indicadores de eficiência das ETAs na remoção de protozoários patogênicos, especialmente, Cryptosporidium (Art. 29). A análise de EBA apresenta menor custo e maior simplicidade do que as técnicas de detecção de protozoários. No entanto, a análise de EBA pode ser realizada apenas em ETAs que não realizam pré-oxidação (no caso destas, a análise de (oo) cistos de Cryptosporidium e Giardia permanece obrigatória);

d) Adoção da média móvel dos resultados das amostras analisadas nos últimos 12 meses para avaliação do cumprimento do padrão de potabilidade de subprodutos da desinfecção (Art. 40);

e) Inclusão da análise de clorofila-a de mananciais superficiais, como indicadora da presença e abundância de cianobactérias (Art. 43). A análise de clorofila-a também apresenta menor custo e complexidade quando comparada à identificação e contagem de cianobactérias;

f) Inclusão do monitoramento da cianotoxina cilindrospermopsina na avaliação da toxicidade de florações de cianobactérias (Art. 43);

g) Exclusão da obrigatoriedade da contagem de bactérias heterotróficas e da recomendação de monitoramento de vírus entéricos;

h) Aumento no número de agrotóxicos que representam risco à saúde que devem ser monitorados: de 27 substâncias (Portaria anterior), passou para 40 substâncias.

Fernanda Heleno:

A portaria passou por grandes mudanças, resumidamente, posso destacar:

a) A obrigatoriedade da inserção dos limites de detecção (LD) e quantificação (LQ) no Sisagua ficou mais clara agora. Além disso, a autoridade de Saúde Pública poderá exigir dos responsáveis por SAA e SAC a elaboração e implementação de Plano de Segurança da Água (PSA);

b) O monitoramento individual dos filtros deixou de ser uma recomendação e agora é uma obrigação;

c) Quanto às análises no ponto de captação, eu destaco as novas diretrizes (tipos de análises e frequência) para mananciais com média geométrica móvel dos últimos 12 meses de monitoramento maior ou igual a 1.000 Escherichia coli/100mL. E o controle de cianotoxinas que era iniciado com o monitoramento mensal de cianobactérias, agora deve ser iniciado pelo monitoramento mensal de clorofila-a;

d) A avaliação do padrão radiológico de potabilidade recebeu novas diretrizes;

e) Os critérios para nitrato e nitrito foram mais bem definidos;

f) No padrão de potabilidade para substâncias químicas foram removidas algumas substâncias, outras incluídas e alguns VMP foram alterados. Destaque para Agrotóxicos (acréscimo de princípios ativos que devem ser monitorados) e para Epicloridrina (que deve ser analisada mensalmente na saída do tratamento);

g) No monitoramento do sistema de distribuição, houve a exclusão da análise de bactérias heterotróficas e redução do número das demais análises bacteriológicas mensais;

h) O monitoramento dos produtos secundários da desinfecção, que era feito trimestralmente na saída do tratamento e no sistema de distribuição, agora deverá ser feito apenas no sistema de distribuição, bimestralmente.

2 – Como os municípios podem se adaptar para as novas regras? Existe alguma recomendação nesse sentido?

Ivan Canalle:

É importante que as companhias de saneamento dos municípios que não possuem laboratórios próprios realizem convênios ou contratos com laboratórios que apresentem confiabilidade, adotem boas práticas de laboratório e possuam sistemas de gestão da qualidade (NBR ISSO/IEC 17025). Isso é muito importante para a geração de resultados analíticos confiáveis. Do mesmo modo, as companhias que possuem laboratórios de controle de qualidade devem investir na capacitação de seus técnicos, aquisição de equipamentos e insumos laboratoriais de qualidade.

Destaco também a importância de se ter uma atenção e cuidado especial no registro de dados e informações no Sisagua. Esse último processo de revisão da Portaria de Potabilidade que culminou na presente publicação utilizou dados dos Sisagua dos últimos anos para subsidiar as discussões e elaboração dessa nova Portaria. Assim, quanto mais precisos e confiáveis forem os dados fornecidos ao Sisagua, teremos uma visão mais realista sobre a qualidade das águas consumidas pela população brasileira, auxiliando futuras revisões da legislação.

Fernanda Heleno:

Em tese, a portaria entra em vigor no ato da publicação. Entretanto, está programado que a nova versão do Sisagua adaptada a nova Portaria esteja disponível só a partir do 01/01/2022.

Além disso, a mudança imediata é muito complicada, pois novos métodos de análise terão que ser desenvolvidos ou implantados para atender as novas exigências. Acredito que os municípios terão que definir cronogramas para que essas alterações aconteçam gradativamente.

Outra questão é que, em muitos municípios, algumas análises são terceirizadas. Na minha opinião, o município que ainda estiver em processo de contratação dessas análises e for possível alterar, melhor que já adeque. Para aqueles municípios que já concluíram o processo e que já contrataram as análises para um período maior, acho que o melhor seria realizar um aditivo, e se adequar também na medida do possível.

3 - As mudanças são positivas ou negativas para os serviços municipais de saneamento?

Ivan Canalle:

Como o objetivo da Portaria de Potabilidade é estabelecer o controle e vigilância da qualidade da água para segurança e saúde da população, as mudanças são positivas e representam um avanço. A adoção de alguns parâmetros indicadores, como os esporos de bactérias aeróbias (EBA – como indicador da eficiência das ETAs para remoção de protozoários) e a análise de clorofila-a (indicador da densidade do fitoplâncton e cianobactérias), possibilitam utilizar metodologias analíticas mais simples e de menor custo.

Embora tenha ocorrido um aumento no número de substâncias a serem monitoradas (especificamente com relação aos agrotóxicos), a legislação permite que os serviços de saneamento solicitem à autoridade de saúde pública alteração de parâmetros e frequência mínima de amostragem, mediante o histórico de monitoramento da qualidade da água e implementação de Plano de Segurança da Água (PSA) (Art. 50).

O PSA é um instrumento com abordagem preventiva, com o objetivo de garantir a segurança da água para consumo humano, incluindo a minimização da contaminação no manancial, a eliminação ou remoção da contaminação por meio do tratamento da água e a prevenção da (re)contaminação no sistema de distribuição. Lembrando que a elaboração do PSA pelas companhias de saneamento é facultativo, mas poderá ser exigido pela Autoridade de Saúde Pública para fins de gestão preventiva de risco à saúde.  

Fernanda Heleno:

Mesmo que todas as nossas solicitações não tenham sido atendidas, tivemos ainda assim mudanças bastante positivas.

4 - Como foi a experiência de participar das reuniões durante o processo de debate da Portaria?

Ivan Canalle:

Participar das reuniões para revisão da Portaria de Potabilidade foi uma das mais ricas experiências da minha trajetória profissional. Todos os debates e discussões para elaboração dessa Portaria ocorreram num ambiente onde todos ali podiam opinar, relatar suas experiências e dar sugestões, sempre com fundamentação técnico-científica e buscando a construção de um consenso.

Possibilitou o contato com profissionais e especialistas de diversas áreas relacionadas ao saneamento (técnicos, professores e pesquisadores de universidades, profissionais da área da saúde, vigilância sanitária, meio ambiente, Ministério da Saúde, dentre outros). Uma troca de informações e experiências a nível nacional. Meus agradecimentos à Assemae e ao Semae de Piracicaba pela oportunidade que me foi dada.

Fernanda Heleno:

As reuniões eram baseadas na troca de informações entre o setor da saúde, universidades e as empresas de abastecimento de água. Para que as decisões pudessem ser tomadas, por consenso, as discussões acabavam sendo muito intensas e esclarecedoras, principalmente sobre os aspectos técnicos e econômicos.

Há alguns anos, eu coordeno o Núcleo Técnico de Apoio à Qualidade da Água do Consórcio Intermunicipal de Saneamento Básico da Zona da Mata de Minas Gerais (CISAB ZM), e lá eu vivencio as dificuldades que muitos municípios de pequeno porte têm para cumprir todo o plano de amostragem. Representando a Assemae nas reuniões, eu pude ser a voz desses e de muitos outros municípios.

Acesse a nova Portaria aqui.

 

Imagem: Cesama Juiz de Fora

Última modificação em Quinta, 20 Mai 2021 11:34
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