Documento reafirma o compromisso da Assemae com a universalização do saneamento ambiental

Carta de Poços de Caldas

1. A Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento – Assemae, entidade sem fins lucrativos com 31 anos de atuação, realizou, no período de 24 a 29 de maio de 2015, em Poços de Caldas (MG), a 45ª Assembleia Nacional da Assemae. Reconhecido como um dos mais importantes fóruns da América Latina sobre o saneamento ambiental, o evento teve a presença de 3.039 participantes, colaborando para a troca de experiências, a formação de novos técnicos e a construção de soluções pela universalização do saneamento.

2. Sob o tema “Saneamento Ambiental: políticas integradas com participação social”, a 45ª Assembleia Nacional da Assemae foi marcada por uma rica e extensa programação de atividades, incluindo seminários, painéis, mesas-redondas, oficinas, apresentações de tecnologias, exposição de experiências exitosas municipais e Feira de Saneamento com inovações tecnológicas do setor.

3. Como resultado do evento, a Assemae apresenta esta “Carta de Poços de Caldas”, cujo texto foi construído a partir das discussões e contribuições indicadas pelos participantes da Assembleia, entre eles, gestores públicos, pesquisadores, técnicos, estudantes, profissionais da indústria, empreendedores, prestadores de serviços de saneamento ambiental, lideranças de trabalhadores, organizações não governamentais nacionais e internacionais, e representantes de movimentos sociais. O documento reafirma o compromisso da Assemae com a universalização do saneamento ambiental e a gestão pública dos serviços municipais, destacando o papel das políticas integradas para garantir maior qualidade de vida à população brasileira.

4. Nos últimos 12 anos, o Brasil avançou nas políticas de saneamento ambiental. O acesso à água potável cresceu de forma significativa, mais cidadãos foram beneficiados pela coleta de esgotos e novos recursos públicos impulsionaram várias obras, principalmente por meio do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC 1 e PAC 2. Em 2003, o segmento passou a ter um endereço específico no Governo Federal, com a criação do Ministério das Cidades e de sua Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. O país também aprovou o marco legal para o saneamento básico (Lei nº 11.445/2007) e o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que prevê investimentos de R$ 508 bilhões até o ano de 2033. Aprovou, ainda, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (nº 12.305/10) e a Lei dos Consórcios Públicos (11.107/05). É importante ressaltar que a Assemae apoia o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU), aprovado pela 5ª Conferência Nacional das Cidades, em 2013. O Sistema tem como objetivo melhorar a qualidade de vida nos municípios brasileiros, buscando a universalização do direito à cidade, à moradia, aos serviços de saneamento básico e mobilidade urbana.

5. Os avanços foram importantes, mas ainda existem grandes problemas a serem enfrentados e que merecem um esforço conjunto entre governos, gestores, prestadores de serviços e usuários. Um dos maiores desafios é assegurar que os recursos previstos pelo Plansab sejam, de fato, garantidos e implementados, especialmente para a população de baixa renda.

6. Estão em debate no Congresso Nacional as MP 664, 665 e 668 que tratam do ajuste fiscal e prevê cortes no orçamento da União de aproximadamente R$ 70 bi. O maior corte é do Ministério das Cidades, ou seja, R$ 17.3 bi. Já o PAC sofrerá uma redução de R$ 25.7 bi. Repudiamos qualquer corte aos recursos para o setor de saneamento ambiental, bem como em políticas públicas essenciais. Neste sentido, reforçamos a necessidade da liberação dos recursos selecionados do PAC 2 e a abertura dos editais do PAC 3 para o setor, além da criação de um fundo nacional para a universalização do saneamento, como forma de assegurar o acesso dos serviços públicos de saneamento para toda a população.

7. Durante a 45ª Assembleia Nacional da Assemae, discutiu-se a importância da participação social no planejamento e articulação das políticas públicas. A Assemae considera que a participação da sociedade favorece o desenvolvimento do senso crítico e da responsabilidade dos cidadãos. Com a gestão participativa e integrada, certamente será mais fácil trilhar o caminho rumo à universalização do saneamento ambiental, de forma sustentável.

8. A participação e o controle social estão diretamente relacionadas ao planejamento do setor. Assim, destacam-se os Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB), instrumentos de gestão participativa que contribuem para a melhoria das condições socioambientais. Os municípios precisam conhecer os problemas locais, além de estudar e apresentar as soluções integradas do ponto de vista técnico, financeiro e social. Nesse contexto, é importante destacar que a Assemae realizou 48 oficinas em pouco mais de dois anos, capacitando representantes de 1.017 municípios para a elaboração dos planos de saneamento.

9. Tema recorrente nas diversas regiões brasileiras, a escassez hídrica teve destaque em vários momentos da 45ª Assembleia Nacional da Assemae, que debateu a construção de políticas públicas integradas na área de recursos hídricos, visando à cooperação no âmbito das bacias hidrográficas e dos entes federados. A Assemae acredita que os problemas com a crise hídrica podem ser superados a partir da correta gestão dos sistemas de abastecimento de água, controle das perdas e incentivo ao consumo responsável. Para isso, faz-se necessária a implementação dos instrumentos de gestão do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

10. Não podemos deixar de criticar a atuação das autoridades responsáveis pela gestão de recursos hídricos e pelo saneamento na maior região metropolitana da América Latina, em virtude da crise hídrica. Não basta reduzir o consumo fechando as torneiras, é necessário pensar em estratégias eficazes de planejamento, ações preventivas, investimentos em tecnologias, infraestrutura e capacitação humana.

11. A 45ª Assembleia também ratificou o compromisso da Assemae na gestão pública de qualidade dos serviços municipais de saneamento ambiental, com controle social. A água não é um produto e, portanto, não deve ser mercantilizada. Não basta apenas pregar contra a privatização dos órgãos públicos. Também é fundamental alicerçar os serviços municipais de forma eficiente, garantindo o pleno atendimento à sociedade, com a participação e colaboração das entidades de classe, serviços municipais de saneamento básico, organizações ambientais, universidades e demais setores sociais. Para tanto, os órgãos do poder público devem implementar e fortalecer medidas estruturantes, buscando o aproveitamento do potencial tecnológico e humano, nos serviços municipais de saneamento ambiental. A Assemae defende a criação de um programa nacional de assistência técnica aos municípios, o que, seguramente, terá reflexos na melhoria da capacidade técnica e institucional dos serviços. Além disso, é necessário o investimento na gestão da qualidade, que permite a aplicação de boas práticas fundamentais, como o controle e manutenção de documentos e registros, adoção de indicadores de desempenho, transparência pública e satisfação dos clientes. Nesse sentido, a Assemae espera a união de esforços na implementação do ““Prêmio Assemae para Universalização do Saneamento Básico”, a partir de duas categorias: a de Excelência, que visa reconhecer os melhores níveis de gestão do saneamento, e a categoria Avanços, que vai considerar a progressão dos serviços municipais diante da universalização.

12. A discussão sobre os modelos de gestão do saneamento ambiental nas regiões metropolitanas também foi destaque em Poços de Caldas. A execução das funções públicas nesses ambientes ainda gera diversos questionamentos. É importante mencionar o Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089/15), que propõe instrumentos para a gestão compartilhada, a começar pela elaboração de Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado. Na prática, o Estatuto pode acarretar a diminuição da autonomia municipal em serviços urbanos como transporte, saneamento básico, uso do solo e habitação. Isto porque, o Estatuto da Metrópole não disciplinou de forma clara que a autonomia municipal é um princípio a ser respeitado. A titularidade dos serviços de saneamento é do município, o que não interfere e nem prejudica a composição dos interesses locais com os interesses comuns a serem discutidos nas instâncias metropolitanas.

13. A universalização do acesso ao saneamento básico também precisa ser efetivada nas áreas rurais do país, incluindo todos os municípios brasileiros, remanescentes de quilombos, assentamentos rurais e populações ribeirinhas, conforme estabelecido pelo Plansab. Nesse sentido, a Assemae se compromete em lutar pela implementação do Programa Nacional de Saneamento Rural, buscando o cumprimento de ações governamentais para o abastecimento de água, esgotamento sanitário, melhorias sanitárias domiciliares, manejo de resíduos sólidos, educação e mobilização social.

14. Apesar de garantida pelo Artigo 29 da Lei nº 11.445/07, a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de saneamento básico é um desafio a ser enfrentado. Tradicionalmente, a cobrança de taxa ou tarifa é a modalidade mais importante para o financiamento do setor. Isso significa que uma política de cobrança bem formulada pode ser suficiente para financiar os serviços de saneamento básico e alavancar seus investimentos. Por essa razão, defendemos um novo modelo de política tarifária, com mais participação social, sustentabilidade, legitimidade e viabilidade comercial nas decisões regulatórias.

15. Não podemos esquecer a importância de conciliar o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. Por isso, a recuperação das nascentes passa a ser uma meta em todo o mundo, incluindo estratégias emergenciais como o controle da erosão do solo e a minimização de contaminação química e biológica. Para garantir a renovação das nascentes, também é necessário o combate ao corte intensivo das florestas nativas, queimadas, pastoreio intensivo, mau planejamento na construção de estradas e loteamentos em locais impróprios.

16. Sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), o fórum debateu especialmente a proposta de acordo setorial para implantação da logística reversa de embalagens em geral, que prevê uma série de responsabilidades aos municípios e não define claramente as responsabilidades dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes. Para nós, é fundamental viabilizar a correta participação dos municípios nesse processo, assegurando que as empresas de embalagens em geral sejam obrigadas a recolher e encaminhar para destinação adequada o volume de produtos que comercializou, ou alternativamente, ressarcir as despesas dos serviços prestados pelos municípios. Por fim, importa ressaltar o trabalho desempenhado pelos catadores de materiais recicláveis, que reintroduzem os resíduos sólidos no processo produtivo, minimizando a degradação ao meio ambiente.

17. Diante de tantos desafios, precisamos da mobilização e participação dos diferentes segmentos sociais e da decisão política das três esferas de governo. Com esta união, certamente, poderemos alcançar a universalização dos serviços públicos de saneamento ambiental no Brasil, baseados na qualidade e sustentabilidade. Sob esse horizonte, a Assemae continuará atuando fortemente junto ao poder público e sociedade civil, buscando a defesa dos interesses municipais e o aperfeiçoamento da democracia participativa, em que cada cidadão é convidado a exercer seu papel de sujeito na gestão das políticas públicas de saneamento ambiental.


Poços de Caldas, Minas Gerais, 28 de maio de 2015.

Mais nesta categoria:

ASSEMAE © 2016 | Todos os direitos reservados